No dia 08 de abril de 2017 ocorreram diversas ações e eventos em comemoração ao aniversário da cidade de Santo André e uma destas ações foi a grafitagem das paredes externas do estúdio da sede da ELCV, saiba mais, clique aqui. Uma destas obras foi uma representação cartunesca da cineasta ALICE GUY-BLACHÉ feita por Rodrigo Ticoni.
Confesso que nunca havia ouvido tal nome ou conhecia qualquer referência sobre a pessoa representada e lhe perguntei quem era a figura que ele escolhera para representar em uma das paredes da Escola Livre de Cinema e Vídeo ao que o mesmo respondeu de forma simples, uma importante cineasta e a coloquei aqui para que as pessoas vejam, se perguntem quem é e pesquisem sobre ela
Gostei muito da ideia e pesquisei, ou ao menos tentei, pois a falta de referências e histórias sobre a mesma é muito grande, mas não desisti e em várias ocasiões quando conseguia tempo efetuava novas pesquisas e a cada busca percebi um aumento no número de textos e informações sobre a mesma, mas não encontrava um artigo ou matéria que apresentasse Alice Guy-Blaché de forma mais completa e não apenas como realizadora. Fato este que mudou quando encontrei matéria de Bianca Zasso na seção PAPO DELAS do site PAPO DE CINEMA.
A matéria é objetiva e apresenta de forma direta breve histórico de Alice Guy-Blaché, além do contexto da época, citando sua produção e o por que a mesma é ‘desconhecida’ na história do cinema nos dias de hoje.
Reproduzo a matéria abaixo (a matéria original pode ser acessada clicando aqui).
Agradeço a Robledo Milani, Editor-geral Papo de Cinema e a autora Bianca Zasso pela generosidade e gentileza em permitir a republicação da matéria no site da ELCV de Santo André.
Texto por Carlos Eduardo Grande
PAPO DELAS :: A PIONEIRA ALICE GUY-BLACHÉ
A chamada primeira onda do feminismo teve início no século XIX, apesar de alguns desavisados e/ou distraídos alegarem que a luta por direitos iguais entre homens e mulheres seja novidade. Isso, talvez, porque nunca se falou tanto em feminismo como nos últimos anos e, ao mesmo tempo, nunca se temeu tanto a sua consolidação. No cinema, o ritmo é ainda mais intenso, já que atrizes populares como Meryl Streep e diretoras como Ava DuVernay e Kathryn Bigelow não economizam suas vozes para reivindicar maior presença e valorização das mulheres na Sétima Arte. Elas podem se sentir um pouco solitárias em suas batalhas, mas, se vale um conselho, todas deveriam se lembrar de Alice Guy-Blaché nos momentos de dificuldade. Se o prezado leitor cogitou ir ao Google para saber quem é a moça citada, não se dê ao trabalho. O Papo Delas explica.
A francesa Alice Guy-Blaché foi a primeira cineasta do mundo. Os livros ensinam que Thomas Edison e os irmãos Lumiére registraram as inaugurais imagens em movimento. Eles não estão equivocados. Porém, Alice foi a pioneira no uso de uma câmera como meio de contar histórias. Os que pensaram em Georges Méliès estão perdoados, já que ele ficou com a fama de ser o primeiro diretor de cinema narrativo, com suas produções de ficção científica e fantasia. Só que, enquanto Méliès sonhava com mundos mágicos e truques, Alice já comandava um set. E mais: fazendo o feminismo na tela grande.
Um de seus primeiros trabalhos é o curta-metragem Les Résultats du féminisme, que data de 1906. A trama se passa numa realidade onde aos homens são reservados os afazeres domésticos e as ideias românticas dos relacionamentos, enquanto as mulheres é que passam horas nos bares e cafés após a labuta. Tem mais. No romance mostrado no filme, quem toma a iniciativa é a “mocinha”. Já seria ousadia suficiente para aquele tempo, mas Alice ainda abriu portas em seus mais de mil filmes. Sim, mais de mil, já que, além de habilidosa, a garota nascida em Saint-Mandé produzia rápido, com poucos intervalos. Elenco interracial, utilização de efeitos especiais, cor e som sincronizado com as imagens são outros elementos de seu currículo. Um ano após lançar Les Résultats du féminisme, ela e o marido trocam de país. Juntos, montam o Solax Company nos Estados Unidos. Dona de estúdio e produzindo suas próprias histórias. O sonho de muitas cineastas em 2017 era a rotina de Alice em 1907.
Inovadora e criativa. Por que, então, Alice Guy-Blaché não está nos livros que contam a história do cinema, nem tem sua obra estudada por pesquisadores? A resposta é curta e triste: Alice era mulher. É sabido que em áreas como ciência e tecnologia parece haver aversão a dar crédito para mulheres. Quando isso acontece, vira manchete. Por isso crescemos com a ideia de que certos lugares e saberes não são para as meninas. Quantos talentos se renderam ao medo ou mesmo ao preconceito, acabando afastados de suas verdadeiras vocações? É algo que não se pode medir. E as corajosas que passaram por cima de todo o estigma, sendo interrompidas ou nem creditadas? Por maiores que sejam nossas conquistas, elas ainda incomodam alguns homens insistentes na ideia de que lugar de mulher é na vice-liderança.
O documentário E a Mulher Criou Hollywood (2016), dirigido por Clara e Julia Kuperberg e exibido no Festival do Rio de 2016, revela não apenas a carreira de Alice Guy-Blaché como também as de outras mulheres que comandavam praticamente todos os departamentos dos estúdios de cinema quando as imagens em movimento não eram lucrativas e valorizadas como arte. Uma época que chegou ao fim assim que fazer filmes passou a trazer dinheiro e status. Os homens entram em cena. Afinal, coisas grandes são masculinas, não é? Piadas à parte, E a Mulher Criou Hollywood é revelador, servindo como mola propulsora para toda e qualquer mulher que queira seguir ou iniciar uma carreira no cinema, seja realizando ou pesquisando. Foi a partir do longa que muitas arregaçaram as mangas. O resultado são vários coletivos surgindo para mostrar a força feminina na Sétima Arte, entre ele o Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema, do qual as responsáveis por esta coluna (Bianca Zasso e Marina Paulista) são integrantes. Resta-nos sonhar com o dia em que os livros serão reescritos e Alice Guy-Blaché se tornará um nome comum entre os cinéfilos e estudantes de cinema. Eles podem estar mais perto do que se imagina. E, ao que tudo indica, serão escritos, mesmo, por mãos femininas.
Bianca Zasso
é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
Sobre o Papo de Cinema
O Papo de Cinema é uma revista digital voltada para a cultura pop atual, com forte destaque para o mundo do cinema. A sétima arte e todas as suas variáveis, é claro: na tela grande, na tela pequena ou até viajando pela internet, lançamentos aguardados e novidades nas locadoras, últimas notícias e clássicos inesquecíveis.
Além disso estaremos contando com um admirável time de colunistas e colaboradores. Todos, é claro, apaixonados por este universo de fantasia e muita emoção. Curiosidades, lembranças, experiências, descobertas, outros olhares e um viés muito particular sobre aquele filme que está todo mundo falando e também sobre uma pérola esquecida no meio de tantas outras. As possibilidades por aqui são infinitas.
Mas isso não quer dizer que somos obcecados pela imagem. Livros, discos, televisão, shows, espetáculos e peças teatrais também ganharão um registro exclusivo, quando apropriado. Afinal, é preciso encontrar tempo entre uma estréia e um novo dvd para fazermos outras coisas, certo?
Viaje conosco pelo Papo de Cinema. Garantimos que o passeio será fantástico!